Egberto Siqueira
Cuidado! Este artigo não é indicado para jornalistas saudosistas e leitores ávidos por sujar as mãos diariamente. O motivo é simples: boa parte destes é amante cega de uma crise sem precedentes. Aqui, trata-se de uma reflexão acerca das mudanças ocorridas no fazer jornalismo nas últimas décadas e o decorrente abalo de sua prática e teorias. O cenário é representado por uma sociedade sem passado, o espetáculo da manhã é superado pela notícia sensacionalista da tarde. A velocidade atropela fatos e o conhecimento do leitor adquire o seu caráter superficial. O jornalista assiste a tudo isso ao mesmo tempo em que contribui para os novos moldes. E lá na academia discute-se de tudo, do lead à ética, nada escapa da reflexão insegura dos estudiosos de comunicação.
É insensato criticar a atividade jornalística sem levar em consideração as novas exigências globais, sejam elas econômicas, políticas ou sociais. Se noticiar é tornar a sociedade consciente do que acontece na sua cidade ou na terra do Tio Sam, é bem verdade que o jornalismo refletirá a inquietação das diversas esferas. Quando se fala em paradigma em seu sentido mais restrito, refere-se a modelos ou padrões utilizados, no entanto, defender um paradigma vitalício em meio a essa mobilidade é negar a própria capacidade de percepção. Isto não significa uma defasagem generalizante. Ainda utiliza-se o polêmico lead, um tal de primeiro parágrafo com as informações cruciais do assunto. As pirâmides? Passam bem, obrigado. No entanto, o jornal impresso ao chegar às telas (não do cinema, nossa profissão perdeu o romantismo faz tempo) ganhou tantas imagens e movimentos que envergonha qualquer primeira página colorida de impresso.
Os conservadores chamam as mudanças na profissão de metamorfose. E eles possuem argumentos fortes. O primeiro é o triunfo da objetividade. É evidente que a velocidade da informação não garante mais um aprofundamento na produção do texto. O espaço, já reduzido pela publicidade, deve privilegiar o fato no momento em que ocorre, daí a necessidade de troca imediata das informações. A ferramenta recorrente para adequar este grande número de dados é justamente a “velha” objetividade. As páginas dos jornais on-line podem ser descritas como uma grade de notas, com textos breves e sucintos, mas claro, sem perder sua função informativa. Vale lembrar que o mesmo acontece no rádio, na televisão e no próprio jornal impresso diário. A síntese não pertence a apenas um estilo, mas está diluída em todo jornalismo.
A estética sofre alterações, mas ainda não se pode falar em superação de paradigma. Pode parecer difícil para o leitor relacionar tanta mudança na profissão e acreditar que os paradigmas são mantidos. A resposta é elementar: a atividade jornalística passa por reajustes visando uma adequação à velocidade da informação e novas expectativas dos leitores, telespectadores e ouvintes. Considerar uma quebra de paradigma requer um novo tão original que anularia qualquer suspiro do passado. Mas não é o que acontece com a profissão do jornalista, tem-se na verdade uma readaptação às exigências industriais da produção cultural. Novos rótulos com o mesmo conteúdo.
O jornalismo sempre foi pautado no empirismo. Antes de ser regulamentada a graduação, o comum era estudiosos das mais diversas áreas assumirem as cadeiras das redações. O advogado bem articulado (entende-se por articulação a sua capacidade de transcrever no papel as informações esperadas pelo público) estava apto a ser jornalista. Quando a academia alertava para a necessidade de um profissional crítico e reflexivo no tocante à sua atividade, não faltaram movimentos contrários aos estudantes aspirantes àquelas cadeiras. E nesse clima conturbado foi trilhado o fazer jornalismo. Logo, os dois mundos não poderiam conviver harmoniosamente. Os profissionais continuaram com o poder de noticiar e coube aos acadêmicos tomar a atividade dos “rivais” como objeto de reflexão.
Engana-se quem acredita numa perseguição sumária por parte dos acadêmicos. Ingênuo quem também não tem seu pé atrás. A mesma objetividade discursada pelo editor nas reuniões com sua equipe é a pedra preciosa almejada pelos estudantes. Mas não esqueça, caro leitor, do meu alerta na primeira frase deste parágrafo. Teorias são apresentadas, mas também questionadas. Contava-se antigamente uma historinha sobre a atividade jornalística: existiam homens bem informados sobre tudo que possuíam uma grande capacidade de ver as coisas ao seu redor e descrevê-las tal como são, sem nenhuma interferência pessoal. Eles tinham olhos nus, cristalinos. E a pupila representava o espelho do mundo real. A estes homens foi dado o título de jornalistas e eles tinham como papel revelar a própria sociedade. Na academia esta história ganha outra narrativa e a teoria do espelho (seu nome de batismo) é sepultada. A subjetividade é então reconhecida como inerente ao ser humano e princípios como a imparcialidade tornam-se temas preferenciais nos momentos de reflexões.
Discussões como essas já estão empoeiradas. Não é de hoje que a objetividade é alfinetada, mas segue inabalável no exercício da profissão. Os motivos já foram explicitados acima. Porém, o interessante nessa questão é a independência do universo (sim, mundo já me parece pequeno a essa altura) profissional e acadêmico. As críticas da academia são frágeis para penetrar as barreiras consolidadas em longos anos de atividade jornalística. A questão do diploma nasceu da disputa criada entre estes extremos. Se para o jornalista empírico uma graduação em Jornalismo não é necessária ou suficiente para exercer a profissão, os acadêmicos não admitem esse jornalismo feito “nas coxas” por um bando de pretensiosos comunicadores.
Em qual discurso você, leitor, acredita? Em qual lado da história você está, meu caro jornalista? Quem espera de mim todos os pontos positivos e negativos das duas “plataformas”, é melhor recorrer a uma redação de jornal ou visitar a faculdade de comunicação mais próxima.
Se o ambiente profissional agrega todas as mudanças técnicas, desde a construção do texto até a sua forma de apresentação, a academia chega a perder sua legitimidade a partir do momento que as teorias não amadurecem e as divergências só acarretam uma dispersão. Por falar em dispersão, a saída dos estudantes revolucionários após a conclusão do curso para outras áreas, que não a atividade jornalística direta, contribui para readaptação dos demais às exigências do mercado, cabendo ao pensador campos de conhecimento mais produtivos, distantes das redações. Desta forma, temos um pré-paradigma, suscitado nas salas de aula, mas sem força para derrubar os existentes.
A mudança mais radical no processo de produção da notícia é, sem dúvida, a forma de utilização da palavra. E olha que não defenderei a volta do Euclides da Cunha no que se refere à qualidade gramatical do texto, mas não abriria mão de um discípulo seu que tivesse o mesmo entusiasmo para apurar os fatos. O jornalismo que se vê é recheado de imagens, ilustrações, vídeos. A palavra perdeu espaço e está prestes a cair em desuso, diria um publicitário de olho naquele um quarto de página. Aproveito para agraciar meus colegas de publicidade, principalmente os diretores de arte, afinal eu não perderia a chance de provocar enquanto ainda tenho espaço para escrever.
É a palavra que estimula debates, leva o leitor à reflexão e à busca pela sua criticidade. A sociedade assiste ao show de imagens, mas permanece muda, sem uma palavra. Falta-lhe conteúdo para responder e ser coerente com o assunto. A crise mais evidente não está na carreira do jornalista, nem nos grupos isolados da academia, mas no esvaziamento cultural e na falta de amadurecimento político de uma sociedade sem espelho.
Um comentário:
Parece-me que o constante apelo visual utilizado pelo meios de comunicação e os cada vez mais sofisticados recursos tecnológicos hoje tem deixado as pessoas com uma iniciativa altamente passiva diante dos acontecimentos, trazendo superficialidade a muitos fatos ocorridos.
Cabe a cada um procurar discernir as informações que recebe e fazer valer a sua capacidade de raciocínio para obter adequadamente e de forma mais aprofundada os acontecimentos, afinal, sabendo-se utilizar desses mecanismos hoje existentes, beneficiados seremos. Não esquecendo de dizer, claro, que a busca de informações em meios impressos ainda é e continuará sendo uma das mais valiosas formas de busca do conhecimento, estimulando a leitura e o exercício do senso crítico da sociedade.
P.S.: Parabéns, cara! Ótimo artigo, vejo que seu senso crítico está afiadíssimo! Eu bem que gostaria de escrever tão bem e de forma tão concisa, hehe.
Postar um comentário