Gardênia Dultra
No quarto ou na sala, ela lhe fita. Imparcial, incógnita, esboçando um leve sorriso diante de um fim de mundo. No berço, ela fustiga os seus lábios e lhe seduz. Ela sinaliza, lhe chama, mas logo você percebe que ela permanece impassível, indiferente e contraditoriamente atenta ao seu desejo. A demanda dela é ter demandas, atender a demandas, instigar demandas, mas ela disfarça bem e faz de conta que não tem nada com isso. Ela existe, mas só existe quando você resolve pensar no assunto – ela é miragem, “espelho profundo e sombrio”, simulacro, virtual. Você está a vê-la, mas ela é que lhe vê, e sabe o que você quer, você inebriado perde-se e perde-se e perde-se nela.
Dentre as pertinentes associações, destaco o narcisismo como principal elo entre Leonardo da Vinci, a Mona Lisa e a televisão. Este texto não tem o objetivo de concluir, fechar conceitos, tento construí-lo como uma espécie de jogo de pingue-pongue, e dessa forma procuro dar-lhe legitimidade, não dentro da exposição de uma verdade, mas no simples desejo de atingir a verdade. Tento associar da Vinci, a Mona Lisa e a TV, ressaltando que por trás dos conceitos e subjetividade apresentados é possível vislumbrar um vínculo, o narcisismo.
O mito de Narciso sinaliza para um perder-se em si mesmo, para um apaixonamento pela própria imagem. Para o narcisista apenas a sua auto-imagem é colocada como objeto produtor de satisfação, o que Freud chamou de complemento libidinal do egoísmo. Há, dessa forma, uma exacerbação da libido do ego e o esvaziamento da libido objetal, o sujeito só encontra prazer na negação das diferenças, ou pelo menos no que está próximo do seu ideal de eu. A televisão é mero projetor dos nossos sonhos e desejos. A telinha propõe seus modelos ideais cuja finalidade maior é haver uma identificação.
Baseando a sua programação entre os conceitos do feio e do belo, a TV – me refiro às redes hegemônicas – não dá espaço para a diversidade, e quando o faz, apresenta sob a forma de excentricidade, de anomalia. Dentro dessa perspectiva, a televisão tenta fazer do ideal de beleza o nosso sintoma maior.
(...)
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2 comentários:
GRANDE, PROFESSORA GARDENIA DULTRA!
Finalmente, uma intelectual de peso nos dá a definição completa e poética da máquina de seduzir que é a TV.
Genial o paralelo com a Mona Lisa. Bastante pertinente o achado freudiano do narcisismo.
Depois dessa análise sociológica / psicanalítica, as pesoass verão a TV com outros olhos...
Magnífico também o brilhante jogo de palavras com "essa Mona Lisa que te vê." Perfeito...
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