sexta-feira, 6 de junho de 2008

ESSA MONALISA QUE TV: A televisão como sintoma narcísico


Gardênia Dultra


No quarto ou na sala, ela lhe fita. Imparcial, incógnita, esboçando um leve sorriso diante de um fim de mundo. No berço, ela fustiga os seus lábios e lhe seduz. Ela sinaliza, lhe chama, mas logo você percebe que ela permanece impassível, indiferente e contraditoriamente atenta ao seu desejo. A demanda dela é ter demandas, atender a demandas, instigar demandas, mas ela disfarça bem e faz de conta que não tem nada com isso. Ela existe, mas só existe quando você resolve pensar no assunto – ela é miragem, “espelho profundo e sombrio”, simulacro, virtual. Você está a vê-la, mas ela é que lhe vê, e sabe o que você quer, você inebriado perde-se e perde-se e perde-se nela.

Dentre as pertinentes associações, destaco o narcisismo como principal elo entre Leonardo da Vinci, a Mona Lisa e a televisão. Este texto não tem o objetivo de concluir, fechar conceitos, tento construí-lo como uma espécie de jogo de pingue-pongue, e dessa forma procuro dar-lhe legitimidade, não dentro da exposição de uma verdade, mas no simples desejo de atingir a verdade. Tento associar da Vinci, a Mona Lisa e a TV, ressaltando que por trás dos conceitos e subjetividade apresentados é possível vislumbrar um vínculo, o narcisismo.

O mito de Narciso sinaliza para um perder-se em si mesmo, para um apaixonamento pela própria imagem. Para o narcisista apenas a sua auto-imagem é colocada como objeto produtor de satisfação, o que Freud chamou de complemento libidinal do egoísmo. Há, dessa forma, uma exacerbação da libido do ego e o esvaziamento da libido objetal, o sujeito só encontra prazer na negação das diferenças, ou pelo menos no que está próximo do seu ideal de eu. A televisão é mero projetor dos nossos sonhos e desejos. A telinha propõe seus modelos ideais cuja finalidade maior é haver uma identificação.

Baseando a sua programação entre os conceitos do feio e do belo, a TV – me refiro às redes hegemônicas – não dá espaço para a diversidade, e quando o faz, apresenta sob a forma de excentricidade, de anomalia. Dentro dessa perspectiva, a televisão tenta fazer do ideal de beleza o nosso sintoma maior.
(...)


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2 comentários:

Anônimo disse...

GRANDE, PROFESSORA GARDENIA DULTRA!


Finalmente, uma intelectual de peso nos dá a definição completa e poética da máquina de seduzir que é a TV.


Genial o paralelo com a Mona Lisa. Bastante pertinente o achado freudiano do narcisismo.

Depois dessa análise sociológica / psicanalítica, as pesoass verão a TV com outros olhos...

Anônimo disse...

Magnífico também o brilhante jogo de palavras com "essa Mona Lisa que te vê." Perfeito...